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terça-feira, 28 de junho de 2016

 Guiné 1972/1974


No início da manhã do dia 23 de Junho de 1972, o BOEING 707 da força Aérea Portuguesa, que transportava a companhia CCS do BART 6520/72, começava a baixar suavemente sobre o aeroporto de Bissalanca, Bissau. Era a minha primeira viagem de avião. Sentado no meu lugar junto da janela ia observando a imensidão da planície de terra avermelhada, repleta de rios e canais, e ao mesmo tempo  tentava perceber todo processo de aterragem. Decorridos alguns minutos, o avião encontrava-se imobilizado na pista. Pouco depois as portas abriram-se e recebemos ordem para sair. Ao descer as escadas do avião, senti no rosto uma golfada de ar quente com denso e perfumado cheiro a terra húmida que sufocava a respiração, senti um aperto no peito, o suor que me molhava a testa começava a descer pela face. Tive o pressentimento que não iria aguentar um clima tão diferente daquele a que estava habituado, não comentei o meu sentimento com nenhum dos meus companheiros, a familiaridade com eles era praticamente inexistente, por isso, entendi que não seria oportuno qualquer comentário. Aguardei sereno o desenrolar dos acontecimentos.
O sol emergia no horizonte, o dia começava a despontar, à minha volta além de algumas aeronaves, havia uma imensa planície de terra cor de fogo. Enquanto esperava sem saber o quê, ia reparando no enorme contraste entre os trajes Europeus com Africanos.
Decorreram aproximadamente duas horas, chegaram os camiões Berliet do exército para nos transportar até ao Quartel dos Adidos, este situava-se a uma escassa meia dúzia de quilómetros do Aeroporto, mais concretamente em Brá, aí se ia formar a coluna militar que transportaria os soldados acabados de chegar até Bolama, para fazer o IAO “Instrução de Aperfeiçoamento operacional”. Eu não tinha tido qualquer convivência com os meus companheiros de viagem. Eles tinham estado no RAL 5 em Penafiel a formar batalhão durante aproximadamente duas semanas e eu fui encaminhado para a Escola Militar de Eletromecânica (EMEL) para aí fazer um estágio. No dia que me foi indicado, lá me apresentei na EMEL, mas apenas lá fiquei uma noite, no dia seguinte mandaram-me ir para casa e aguardar até à véspera do dia de embarque para a Guiné. Por esse motivo não conhecia nenhum dos meus camaradas. E se até aqui não tinha tido nem tempo nem oportunidade de conviver com eles, iria acabar por me afastar completamente de todos estes companheiros, que numa situação normal seriam a minha “família” durante os próximos dois anos.
Em cima dos camiões Berliet, que se deslocavam ao longo da única estrada de alcatrão que se avistava, num estranho ambiente, que tinha tanto de insólito como de misterioso, por entre paisagens nunca antes imaginadas, o meu pensamento redopiava à procura de resposta.




 quartel dos Adidos


Chegamos aos Adidos pouco antes da hora de almoço do dia 23 de junho de 1972.
Chegado o meio-dia, depois da rotineira formatura, entramos para o refeitório, fiquei por alguns segundos a olhar vagamente ao meu redor, gerou-se em mim um sentimento de frustração e revolta, arrepiei com as degradantes condições que me circundavam, sentei-me à mesa e deslizei os olhos pelo que nelas era colocado para servir de almoço, sinceramente, não gostei, claro que não estava à espera de um manjar, mas imaginava algo mais razoável. Comi o pão, bebi o vinho e saí para exterior logo que me foi permitido.
Chegaram as quatro horas da tarde, ouvi ao longe alguém que perguntava pelos radiomontadores, era comigo… aproximei-me de quem chamava, era um Furriel, rapidamente se juntaram todos os radiomontadores, éramos quatro, um Furriel, dois Cabos e um Soldado. Só nesse momento fiquei a conhecer esses meus camaradas, até aí não fazia qualquer ideia de quantos éramos com essa especialidade.
Quis a sorte e o destino que eu não seguisse com o Batalhão para o mato. A meio da tarde desse dia 23 de Junho de 1972, apareceu um jipe militar para nos levar até ao AGRTM (Agrupamento de Transmissões), Quartel Militar localizado em Santa Luzia, Bissau, ao lado ficava o Quartel-General e várias outras Unidades Militares.
Nesse momento acreditei que Deus tinha direcionado para mim o seu olhar. Era de facto uma Bênção Divina poder ficar na cidade.
 O Agrupamento de Transmissões em Bissau era um quartel novo com um bom aspeto, estas novas instalações tinham sido inauguradas em janeiro de 1972, embora faltasse ainda acabar o refeitório e duas camaratas.



Agrupamento de Transmissões Bissau.1972

 Agrupamento de Transmissões

O Agrupamento de Transmissões em Bissau era um quartel novo com um bom aspeto, estas novas instalações tinham sido inauguradas em janeiro de 1972, embora faltasse ainda acabar o refeitório e duas camaratas.

  Quis a sorte e o destino que eu não seguisse com o Batalhão para o mato. A meio da tarde desse dia 23 de junho de 1972, apareceu um jipe militar para nos levar até ao AGRTM (Agrupamento de Transmissões).

 Quartel Militar localizado em Santa Luzia, Bissau, ao lado ficava o Quartel-General e várias outras Unidades Militares.

Nesse momento acreditei que Deus tinha direcionado para mim o seu olhar. Era de facto uma Bênção Divina poder ficar na cidade.

O Agrupamento de Transmissões em Bissau era um quartel novo com um bom aspeto, estas novas instalações tinham sido inauguradas em janeiro de 1972, embora faltasse ainda acabar o refeitório e duas camaratas.

Este Agrupamento, comandado pelo Ten-Coronel Mateus da Silva, era composto por uma Companhia de Transmissões e outra de Serviços de Material

(CRMMTM), (Companhia de Reabastecimento de Material de Manutenção de Transmissões), era nesta, que iria ficar integrado.






A primeira noite na Guiné.

Cheguei ao por do sol ao local que iria ser a minha nova casa durante os próximos dois anos. O furriel foi de imediato alojado nos quarto destinados à classe de Sargentos, ao soldado e aos cabos, só no dia seguinte lhes seria atribuída uma cama na caserna deste Agrupamento.
Para passar a primeira noite foi-nos entregue uma tenda de campanha e colchões pneumáticos. Não me pareceu que isso fosse um problema. Não havia frio, porque o clima era quente, pensei… o importante era ter onde dormir e descansar. Sentia-me exausto depois das longas horas de viagem desde Penafiel até à estação de comboios de Campanhã, depois até ao aeroporto da Portela e deste até à Guiné.
Com o desaparecer do sol e a chegada da noite, era hora de ir para a cama, tirei a incomoda farda, descalcei as botas e no silêncio da madrugada adormeci num sono profundo e tranquilo. Acordei com o nascer do dia, que na Guiné acontece por volta das seis horas e trinta minutos, tinha o corpo húmido e peganhoso, próprio daquele clima tropical. Levantei-me a pensar descobrir um local onde tomar um banho, e… nesse momento, deparo-me com uma insólita situação. O meu esbranquiçado corpo, que raramente tinha apanhado sol, estava repleto de grandes inchaços vermelhos. Fiquei perplexo, sem compreender o sucedido, mas… não era o único, os meus camaradas também se encontravam com sintomas idênticos. Os mosquitos, que existem em abundância neste território, tinham passado a noite a saborear o sangue novo que acabara de chegar.O clima da Guiné para além de quente é também muito húmido. Este País tem apenas duas estações no ano. A época das chuvas e a época da seca. O terreno é muito plano e por isso durante o período das chuvas fica uma grande parte do território coberto de água, formando grandes lagos de águas paradas (bolanhas), condições propícias à criação de insetos (mosquitos) e das mais variadas espécies de parasitas. Aqui eram frequentes doenças como cólera, febre-amarela, varíola, paludismo, micoses e muitas outras, provocadas por mosquitos e pelas mais variadas bactérias, daí a necessidade da vacinação, a que os militares eram obrigatoriamente submetidos. Na recruta tomava-se célebre vacina (dose de cavalo) que nos imunizava de grande parte dessas doenças.
Para dormir nas tendas teria de se usar um mosquiteiro, (rede fina) para impedir a entrada dos mosquitos para dentro desta. O desconhecimento desta regra facilitou a vida a esses irritantes insetos.

Cama com mosquiteiro


Para dormir nas tendas teria de se usar um mosquiteiro, (rede fina) para impedir a entrada dos mosquitos para dentro desta. O desconhecimento desta regra facilitou a vida a esses irritantes insetos
 




Companhia de Reabastecimento e Manutenção de Material de Transmissões. ”CRMMTM”

Bancada onde fiquei a trabalhar

Chegou a hora de conhecer o novo local de trabalho. A CRMMTM era comandada pelo Capitão Rogério Nair dos Santos, tinha uma ligeira gaguez, mas era uma pessoa correta e bondosa. Tratava-se de uma companhia composta pela secretaria, gabinete do Comandante, secção de mecânica, secção de peças, receção de equipamentos e uma grande e bem equipada oficina de eletrónica com certa 200m2, onde não faltava o ar condicionado. Aqui se prestava assistência técnica a todos os equipamentos de transmissões espalhados pelas várias Unidades Militares da Guiné.  A oficina tinha cerca de seis bancadas, cada uma com a sua especialidade, fui colocado na bancada que prestava assistência à marca Storno, os meus companheiros eram o Sargento Antunes, o Furriel João, o Cabo Machado e um soldado (cujo nome não me lembro, já que este esteve comigo apenas alguns dias e seguiu para Tite, zona onde se encontrava o Batalhão.

parte da bancada Storno

Connosco estava outra equipa em fim de
comissão, que em breve nos deixaria para regressar à Metrópole e que ficaríamos a substituir.


Nesse mesmo dia apareceram duas mulheres negras a oferecer o serviço de 

lavadeira. Era normal este procedimento sempre que algum militar aparecia de novo na Unidade. Escolhi a mais nova, chamava-se Antónia, a partir daí todas as semanas a Antónia vinha buscar a roupa suja e trazia lavada a roupa da semana anterior. Pagava pelo serviço da lavadeira 70.00 pesos.


Estamos em junho de 1972, era a época das chuvas, estas apareciam repentinamente e com muita intensidade, muitas vezes acompanhadas de fortes trovoadas, duravam alguns minutos e voltava o sol.




 Passaram-se os primeiros dias, que foram de grande angústia, tinha ficado para trás a esposa e o filho, toda a família e amigos, começava a adaptação a um novo meio. O serviço era motivante, os colegas de trabalho era fantásticos, mas havia pelo menos três coisas que considerava muito negativas - A caserna que era velha, embora houvesse duas novas em construção, o refeitório que não tínhamos, estava também em construção e por esse motivo tinha que ir ao refeitório do QG, que ficava ali mesmo ao lado, mas as condições eram tudo menos boas, a outra preocupação era ter de fazer serviço de guarda de dez em dez dias ao Centro Emissor de Antula. 



Centro Emissor de Antula.

O Centro Emissor de Antula ficava a pouco mais de dois quilómetros do AGRTM,
 na direção do interior, a estrada era em terra e já não havia edifícios em betão, apenas tabancas e mato. Os emissores aqui instalados, serviam para além de facilitar as nossas comunicações, dificultar a voz das rádios indesejadas do PAIGC emitindo um sinal na mesma frequência tornando estas impercetíveis (empastelamento).

Quando me deslocava para este centro emissor, podia observar ao longo do caminho a beleza da paisagem, realçada pela grande quantidade de bagas-bagas


Eram verdadeiras obras de arte, estes ninhos edificados pelas formigas, que mais pareciam autênticos monumentos, solidificados com a vermelha e barrenta terra do solo da Guiné.


Os Periquitos 

Na tropa é costume dizer (A velhice é um posto). Não um posto em termos hierárquicos, mas a nível de estatuto pessoal. 

Na Guiné, os mais velhos apelidavam de (periquitos) os recém-chegados (novos).

Nunca consegui perceber concretamente o porquê deste nome, com o passar do tempo fui interpretando que se tratava de uma espécie de praxe. Nos primeiros tempos, ao passar pelos camaradas mais antigos, não me livrava de ouvir uns (puis-puis, que queriam dizer, aqui vai mais um periquito, os novos eram facilmente identificado pela cor da pele mais clara em relação aos militares que se encontravam na Guiné há mais tempo.


Abutre


Na Guiné havia uma grande diversidade de pássaros, todo o tipo plumagem, de cores e tamanhos. Mas um destacava-se de todos os outros. “O abutre” trata-se de uma ave de rapina, voraz, de cabeça e pescoço depenado, pesada e grandes asas. Tinha para mim um pesado simbolismo de morte. 

Alimenta-se de animais mortos, o que num ambiente de guerra como se vivia na Guiné, era extremamente útil, fazia a limpeza dos corpos que atingidos pelas balas, ficavam abandonados na mata.  


Rotina diária

Depois da noite, entre o sono e o zumbida da ventoinha, que me ajudava a amenizar o clima tropical da Guiné, oferecida por um camarada de regressado à metrópole, chegavam as 8h00 da manhã, vestia o calção e a camisa, passava pela casa de banho cortar a barba e ia ao refeitório da companhia tomar o leite com café e o pão com manteiga, de vez em quando alternava com uma passagem pelo bar onde fazia um pequeno-almoço melhorado, normalmente, leite achocolatado ou um sumo com um bolo acompanhar.

 

Às 8h30 era hora de dar entrada na oficina. Ninguém me impunha ou exigia nada, não era necessário, assumi sempre o serviço de forma responsável. Os aparelhos que entravam avariados para reparar era tarefa fácil e conjugamos o serviço entre os quatro com facilidade.

Ao meio-dia ia almoçar ao refeitório, logo de seguida, passava pelos balneários tomar um duche e deitava-me a dormir a sesta, às 15h00 voltava para o serviço e permanecia aí até

18h00. À noite depois de jantar, quando não ia à cidade, ficava no Quartel e aproveitava para escrever à esposa e ler um ou outro livro que conseguisse arranjar. 



Esplanada em Bissau

Ia muitas vezes à cidade, o centro ficava as cerca de quilómetro e meio, ia e vinha normalmente a pé, os autocarros de transporte público tinham poucos lugares sentados, a maioria dos passageiros iam de pé com o braço levantado para agarrar a pega do cinto, o cheiro de suor característico e comum da raça negra “catinga” era muito incomodativo, por isso preferia não usar esse meio de transporte. 

Juntava-me com outros camaradas numa ou outra esplanada. Sempre que a possibilidade financeira o permitia, divertia-me a beber umas cervejas e a comer umas ostras, petisco barato que se encontrava em quase todos bares,

Embora o rigor militar na minha Unidade, passasse praticamente despercebido, não me podia esquecer que era militar e que coabitava no meio de um grande aglomerado de quarteis. A entrada para o complexo militar era controlada pela Polícia Militar que podia pedir a identificação e o documento de autorização de saída "dispensa" passado pelo comandante de companhia. Mas a assinatura do Comandante era apenas um rabisco fácil de imitar, por isso desde cedo deixei de dar trabalho a este Homem (Capitão Nair dos Santos), que era uma pessoa excecional!

Os meus principais amigos eram: O Machado, colega de bancada, Natural de Pevidém, o Barroso, vizinho do Machado, que trabalhava na secretaria, o Martins, que viria a ser meu sócio no bar, o Matias das Calda da Rainha, pessoa simples e humilde era o amigo com que mais me identificava, o Flávio, companheiro da oficina, o Fraga de Armamar e Valdemar de Rebordosa.

Foi na companhia de todos estes camaradas e muitos outros, que os dias foram passando, muitos deles de grande diversão, como por exemplo aquele dia em que nos lembramos de ir apanhar um vitelo na mata e o mandar assar com batatas, no forno de uma padaria, com muita cerveja a acompanhar.


Patuscada com vitelo assado no forno.


Numa das deslocações de serviço a caminho do Centro Emissor de Antula, de jipe,  ao longo da estrada de terra batida, tão estreita que dois carros não se cruzavam, enquanto enfrentava o desconforto dos solavancos e das poeiras provocados  pelo mau estado do pavimento, fui-me concentrando na paisagem dos grandes mangueiros, dos baga-baga e dos muitos animais que se avistavam ao longo da estrada. No dia seguinte confidenciei com o meu amigo Fraga que me tinha ocorrido a ideia de apanhar um vitelo e fazer uma patuscada.

Juntamos uma dúzia de amigos e poucos dias depois, numa sexta-feira, punha o plano em prática. Quatro amigos mais arrojados, levaram uma viatura Unimog e foram apanhar o animal. Depois de morto e preparado foi levado para o forno de uma padaria que havia nas proximidades e aí foi assado com batatas e saboreado pelo grupo, onde não faltou a cerveja e a alegria e no fim muitas bebedeiras. A patuscada foi feita num domingo, foi um dia inesquecível.



Cidade de Bissau.

 

Avenida principal de Bissau

A capital Bissau, situada junto ao mar, onde desagua o maior rio da Guiné, o Geba, era uma cidade agradável, com muitos cafés, esplanadas, restaurantes, comércio de rua ao estilo dos Países Africanos, bonitas avenidas, enfim, equiparada a uma cidade de média dimensão da Metrópole.

Decorreram as primeiras semanas e integração nesta unidade militar, assim como a adaptação ao ambiente estava feita. Tinha feito um grupo de amigos, já conhecia todo o funcionamento do Agrupamento assim como a cidade cujo centro ficava muito próximo.

Ao fim de semana, depois de almoço, por norma ia para a cidade. Juntava-me com dois ou três amigos, bebíamos umas cervejas, jantava e à noite regressávamos ao quartel. Uma tarde passada na cidade representava uma despesa que rondava os 50 pesos "equivalente a 50 escudos), incluindo jantar. Os cafés mais famosos eram o café Bento o Pelicano e o Império, embora houvesse muitos mais. Aqui já havia Coca-cola, Fanta e Laranjina-c, bebidas desconhecidas na Metrópole. 
O Pilão era uma das zonas de Bissau que muito se falava, tratava-se de um bairro sujo e pobre, com muitos bares e prostituição, era uma zona perigosa e pouco aconselhável, os desacatos eram frequentes, frequentar este local era uma aventura perigosa, só em grupo e se possível armados.

No início do mês, quando os soldados recebiam o vencimento (pré), as esplanadas e restaurantes ficavam lotados. O valor do pré era 1200$00 (pesos) para os soldados e 1500$00 para os cabos. Dos 1500$00 que o Exército me pagava, 800$00 eram levantados pela minha esposa na Metrópole e eu ficava com 700$00, que corretamente geridos davam para pagar à lavadeira e ir todos os fins de semana jantar à cidade e de vez em quando ao cinema.


Carta de condução.

Como dispunha de muito tempo livre, inscrevi-me numa escola de condução para tirar a carta. Não sabia qual ia ser o meu futuro na vida civil, não queria continuar a minha profissão de marceneiro, a carta de condução poderia vir a ser uma ferramenta útil, por isso optei pela carta-profissional.

Sobrava-me ainda tempo para ler alguns livros e fazer planos para o meu futuro profissional.

Desde os onze anos que trabalhava na oficina de móveis do meu pai, mas após o meu casamento existiram alguns atritos com ele, por isso e também porque nunca gostei do trabalho que fazia, quase diariamente a minha mente se ocupava fazendo alguns planos para vida futura, tendo sempre como pano de fundo a eletrónica.



Praça do Império-Bissau

 

Ao fim de semana, depois de almoço, por norma ia para a cidade. Juntava-me com dois ou três amigos, bebíamos umas cervejas, jantava e à noite regressávamos ao quartel. Uma tarde passada na cidade representava uma despesa que rondava os 50 pesos "equivalente a 50 escudos), incluindo jantar. Os cafés mais famosos eram o café Bento o Pelicano e o Império, embora houvesse muitos mais. Aqui já havia Coca-cola, Fanta e Laranjina-c, bebidas desconhecidas na Metrópole. 
O Pilão era uma das zonas de Bissau que muito se falava, tratava-se de um bairro sujo e pobre, com muitos bares e prostituição, era uma zona perigosa e pouco aconselhável, os desacatos eram frequentes, frequentar este local era uma aventura perigosa, só em grupo e se possível armados.

No início do mês, quando os soldados recebiam o vencimento (pré), as esplanadas e restaurantes ficavam lotados. O valor do pré era 1200$00 (pesos) para os soldados e 1500$00 para os cabos. Dos 1500$00 que o Exercito me pagava, 800$00 eram levantados pela minha esposa na Metrópole e eu ficava com 700$00, que corretamente geridos davam para pagar à lavadeira e ir todos os fins de semana jantar à cidade e de vez em quando ao cinema.

Desde os onze anos que trabalhava na oficina de móveis do meu pai, mas após o meu casamento existiram alguns atritos com ele, por isso e também porque nunca gostei do trabalho que fazia, quase diariamente a minha mente se ocupava fazendo alguns planos para vida futura, tendo sempre como pano de fundo a eletrónica.

Na minha agenda ia anotando os acontecimentos mais relevantes e no calendário ia riscando cada dia que passava, era um prazer enorme por mais uma cruzinha no final de cada dia. 
Ansiava ir à Metrópole de férias, mas isso só me seria concedido depois de um ano passado na Guiné. Comecei a pensar como conseguir o dinheiro para a viagem, o que recebi do pré mal chegava para as despesas do dia-a-dia, com algum sacrifício fui pondo de lado algumas economias. Era o inconveniente de estar na cidade, não vivia o terror da guerra, mas havia muito mais onde gastar.

Os meus dias eram serenos e vividos sem grande receio da guerra, a Guiné era um território pequeno, à noite eram poucos os dias em que não se ouvia os bombardeamentos ao longe. Mas não me passava pela cabeça que pudesse haver um ataque a Bissau, os principais acessos eram controlados e eram muitos os efetivos militares nesta zona. Os meus camaradas que estavam no mato (zona de guerra) chamavam a isto - guerra do ar condicionado. 


1º Natal na Guiné 


Natal 1972. 
Difícil passar esta data. Faltava a árvore de Natal, as luzes, as fitas coloridas e convívio familiar. É nestes momentos que mais se sente a angústia e a saudade das pessoas que mais gostamos.

Junto de alguns amigos encontrei uma forma milagrosa de ultrapassar este pesadelo. Whisky e Gin resolveu o problema. Foi a única bebedeira que apanhei durante a minha vida militar. No dia seguinte ainda sentia o efeito; Indisposição e dores de cabeça durante todo o dia.


Fora de Bissau tudo era guerra

 

Fiat G-91

Fora de Bissau todas as zonas eram perigosas, os soldados passavam horas nos abrigos durante os bombardeamentos. Os nossos aviões de guerra, (Fiat G-91) e os helicópteros eram um apoio rápido e eficaz. Quando uma unidade nossa em zona guerra estava a ser bombardeada, bastava usar os nossos eficientes sistemas de comunicação, (rádio emissor Storno ou outro) e em escassos minutos estavam os nossos Fiat G-91 a largar bombas em cima do inimigo. Sem estes seria impossível a muitos dos nossos quarteis o mínimo de segurança.


Morte de Amílcar Cabral.

Janeiro de 1973, o chefe da organização armada que lutava pela independência da Guiné, (PAIGC) Amílcar Cabral é assassinado em Conacri. De imediato se pensou que fosse obra da nossa polícia-política (DGS), mas mais tarde veio a saber-se que os autores do assassinato foram elementos de seu próprio partido. Após a morte de Amílcar Cabral a luta armada, ao contrário do que se esperava, intensifica-se e a independência de Guiné-Bissau é proclamada unilateralmente em 24 de setembro de 1973 e reconhecida internacionalmente por 80 países. Seu irmão, Luís de Almeida Cabral, é nomeado o primeiro presidente do país. 


Um avião da nossa Força Aérea – foi abatido.

 

Missel portátil Stella SA-7 

Março de 1973, grandes problemas com as nossas forças Militares. O pior que se podia esperar aconteceu. A nossa supremacia aérea estava comprometida, o (inimigo) PAIGC possuía agora uma nova e sofisticada arma, os misseis terra-ar SA-7 Strella de fabrico Soviético.

A nossa Força aérea possuía os temíveis aviões bombardeiros Fiat.

 25 de março de 1973 um dos nossos aviões de guerra foi abatido. Alguns dias passaram e era abatido mais um Fiat. As coisas começavam a complicar-se, sem o apoio aéreo o nosso Exército começava a perder o controlo da situação.

Pouco tempo depois o (inimigo) toma conta de Guilege, onde tínhamos um Aquartelamento Militar, obrigando as nossas tropas a fugir. Esta ofensiva é desencadeada pelo PAIGC mas planeada por instrutores Soviéticos e Cubanos. A guerra estava (perdida).

 

 

Era hora de procurar novas soluções para a guerra na Guiné

Era hora de haver uma reflexão política, o Governador da Guiné, General António Spínola não teve dúvidas, com esse intuito deslocou-se a Lisboa para junto do poder central encontrar uma solução que pudesse mudar o rumo dos últimos acontecimentos na Guiné. Em termos racionais passaria por um reforço militar quer em termos humanos quer em equipamentos, ou mais sensatamente uma negociação política. O nosso Governo não tinha mais meios humanos para reforçar esta Província. Já tinham passado pala Guiné mais de 200 mil militares. Praticamente toda a juventude masculina desta época de conflito passou pela guerra. Só restava a solução política. Mas mais uma vez esta não foi encarada pelo nosso chefe do Governo Marcelo Caetano. Novamente a arrogância e teimosia dos Governantes prevaleceu. Como resposta substituiu o Governador da Guiné, António Spínola e nomeou para esse cargo o General Bettencourt Rodrigues, a quem deu ordens para que se lutasse até ao último homem. Para quem tinha o poder, contava mais o orgulho que as pessoas. Começa aqui o embrião do movimento de capitães que culminaria na Revolução de 25 de abril de 1974.


Junto dos Oficiais – pairava algum nervosismo

Comecei a sentir que à volta da minha unidade militar havia alguma agitação. Sentia-se algo de estranho, pairava no ar um nervoso miudinho e muita insegurança. Notava-se que entre os oficiais havia algum nervosismo. As nossas forças militares, deixaram de contar com o seu anjo-da-guarda, a Força Aérea já não nos podia socorrer em caso de emergência. A aviação perdera parte importante da utilidade. As nossas tropas na Guiné estavam à beira do precipício. Os oficiais que tinham acesso a informações de caracter confidencial estavam apreensivos quanto ao futuro. Procurei alhear-me da situação, afinal era um simples Cabo, o que me preocupava era que chegasse com rapidez o fim do dia para poder por mais uma cruz no meu calendário.


Férias.

Junho de 1973. 
Chegava o tão desejado mês, tinha quase um ano de Guiné, já tinha autorização para ir 30 dias de férias, dar sangue dava direito a mais 10 dias, como é lógico não desperdicei esta oportunidade.

A seis de junho, de manhã cedo, lá estava eu no aeroporto de Bissalanca para apanhar o avião com destino Lisboa, eram grandes as saudades e enorme a ansiedade.

Até onze de julho estive junto das pessoas que me eram queridas, estes 40 dias passaram-se num ápice. Rapidamente chegou o dia da partida, mas tinham sido magníficos estes dias passados junto das pessoas que me eram próximas, já só faltava mais um ano e pelo meio ainda ia haver mais um mês de férias, este pensamento ajudava-me a superar o pesadelo da partida.

Às 7h30 do dia onze de julho, saí com destino ao aeroporto de Pedras Rubras onde embarquei para Lisboa, destino à Guiné, cheguei a Bissau no dia 12 /07/1973. Retomava o meu ciclo diário, oficina, comer, banho, cidade e dormir.

Quando cheguei de férias tive uma agradável 
surpresa. As camaratas novas estavam prontas para ser ocupadas. A qualidade de vida melhorou mais um pouco, camas e colchões novos, desinfeção diária com inseticida, deixou de ser necessário mosquiteiros, um grande espaço de balneários, bom ambiente e mais privacidade. 

Bar à sociedade.

Com esta mudança surgiu-me a ideia de montar um bar na camarata e com isso tirar alguma rentabilidade financeira. Em poucos dias pus o plano em funcionamento. Arranjei um sócio para puder dissolver as despesas iniciais, mandei o carpinteiro fazer um armário, comprei copos, chávenas, um fogareiro elétrico, cafeteira e alguns outros utensílios, e rapidamente o bar entrou em funcionamento. De manhã servia pequenos-almoços, após as refeições café e digestivos. Esta nova atividade, veio ajudar a ocupação do tempo e permitir uma contrapartida financeira que em muito se refletiu no meu dia-a-dia.

Esta sociedade só durou um mês, não por desentendimento, o Martins, oriundo de Mangualde, que foi também um grande amigo, pessoa excecional, de grande simplicidade e muita maturidade, mas foi notificado para ir para Gadamael, zona de mato e onde a guerra era muito intensa. Fiz contas com ele e fiquei sozinho. Mantive o bar em funcionamento até ao fim do ano 1973, com o dinheiro extra que obtive do rendimento do bar, consegui suportar as despesas da segunda viagem de férias.


O refeitório continuava a ser um problema.

O tempo foi passando, a adaptação estava feita, a ideia de não conseguir resistir aquele clima, já tinha desaparecido, tinha um bom grupo de amigos, era de facto uma guerra diferente da que se vivia no (mato) interior da Guiné.

O problema maior era o refeitório, continuava a ir fazer as refeições ao Quartel vizinho (QG), que não tinha nada a ver com o ambiente do meu Agrupamento (AGRTM), notava-se uma grande diferença entre estas duas unidades militares, o meu Agrupamento era composto pelos Radiotelegrafistas e Radiomontadores, o pessoal do QG parecia ter-se acomodado aquele estilo e encarava a situação com normalidade. A comida, a qualidade das instalações e equipamentos era motivo de grande contestação. Sentia-se uma revolta generalizada, o descontentamento era iminente. Os comentários sobre esta situação começaram a ser tema constante nas nossas conversas. Era comum ouvir dos meus camaradas; estou farto disto!

Levantamento de rancho.

Agosto de 1973, mais um dia, mais um almoço no QG. Não tínhamos nada combinado, não era preciso. O pensamento dos cerca de 100 militares do AGRTM era o mesmo, não podíamos tolerar por mais tempo as precárias condições daquele refeitório. Não íamos aceitar por mais tempo ir ali comer. Afinal éramos ou não uma tropa qualificada?

Naquele local fomos sempre vulgarizados, depois de formar, entravam primeiro os militares do QG, que eram bastantes mais do que nós e só depois é que chegava a nossa vez. Estávamos cansados disto, era hora de agir.

Entraram os do QG todos, por fim chegou a nossa vez, à medida que íamos entrando sentavam 10 em cada mesa, eu ocupei a segunda rodada, a primeira mesa, de forma impulsiva e unânime, levantou-se e começou a bater com os talheres nos pratos, a minha já não chegou a sentar-se e simultaneamente todas que foram entrando fizeram o mesmo. Mais de uma centena de soldados do QG já estavam lá dentro, muitos deles já quase no fim da refeição, lentamente foram-se também levantando. Decorridos 15 minutos, tinha-se gerado a maior confusão a que assisti em todo o meu tempo de tropa. A disciplina militar tinha dado lugar a uma grande anarquia. Em termos Militares tratava-se de uma situação de grande gravidade. A disciplina militar é rigorosa e inflexível. Havia muitos corações a bater aceleradamente. Mas ninguém cedeu, nem os do QG.

O Oficial de dia chegou à beira da mesa onde começou o motim, dirigindo-se a um dos soldados perguntou! Porque é que não comes? Não como porque esta comida está intragável, respondeu o soldado, o oficial de dia pediu ao cozinheiro que lhe trouxesse um prato, colocou nesse um pouco de comida e comeu, voltou a virar-se para o mesmo soldado e ordenou-lhe que comesse porque a comida estava boa. Ele meteu uma colher de comida na boca e cuspiu-a, desculpe meu Capitão, mas não consigo comer isto! Estava concluída a prova de fogo. Senti um certo alívio. Se aquele soldado (Alentejano gordinho de baixa estatura) tivesse fraquejado, estávamos metidos numa grande alhada.

O Oficial de serviço teve de chamar o Comandante da unidade. Ficamos todos aguardar: Passaram cerca de 45 minutos, o Comandante apareceu acompanhado de outra alta patente Militar (coisa que por ali não faltava), fez-se um grande silêncio. Este subiu para uma cadeira, de maneira educada e em tom moderado, pediu desculpa pelo acontecimento, prometeu que no futuro a qualidade da comida ia melhorar. Para que ninguém ficasse sem refeição ia mandar distribuir kits individuais de rações de combate.

Foi a primeira vez que comi esse tipo de refeição. Passei por um grande susto, mas valeu a pena, poucos dias se passaram e o nosso novo refeitório entrava funcionamento. Aqui tudo passou a ser diferente, novo ambiente, instalações novas, equipamento moderno, funcionamento tipo self-service e refeições com qualidade.


O aerograma

A necessidade que tinha de receber correio era enorme, funcionava como uma vitamina, a força extra que muito ajudava a ultrapassar as dificuldades, a sua necessidade era comparada com a de comer ou beber.

Quando recebia correio, o dia era mais harmonioso. As notícias demoravam cinco ou mais dias a chegar, mas era como se o diálogo estivesse a fazer-se aquele momento.

Numa época em que o telefone só estava ao alcance de uma diminuta percentagem da população e o telemóvel era pura ficção, restava-me, a via postal, para comunicar com a família. O aerograma era o mais usado. Tratava-se de um frágil desdobrável, editado pelo Movimento Nacional Feminino, que nos era fornecido graciosamente - estava isento de franquia, e era o meio de comunicação mais usado entre militares e família. Quando havia mais urgência em comunicar ou pretendia enviar fotos usava a tradicional carta de correio, pagando o respetivo selo. Era assim que fazia a ligação entre a Guiné e o meu desejado cantinho na Metrópole.


Agosto de 1973-as coisas não estavam bem

Sentia-se que as coisas não estavam bem. Em agosto de 1973 houve no Agrupamento de Transmissões uma reunião onde estiveram presentes cerca de 40 oficiais. A reunião foi secreta, mas não passou despercebida para muitos dos militares. Muitas outras reuniões se foram sucedendo. Todo este movimento de descontentamento iniciado em Bissau pelo facto de se prever, que após a aquisição dos misseis SA-7 Strela pelo parte do PAIGC, os nossos militares espalhados pelos diversos aquartelamentos da Guiné, ficariam seriamente desprotegidos e que a guerra estaria perdida, já que a aviação deixou de ter eficácia que tinha, as consequências que se adivinhavam a partir daqui, uma vez que o nosso governo já não dispunha de possibilidade nem económica, nem humana, nem vontade de negociar com as forças que lutavam pela independência, teríamos por certo a curto prazo uma catástrofe de consequências muito graves, tanto em vidas humanas como social e económica.


Natal de 1973.

Foi o segundo Natal passado longe da família. Nesta época Natalícia as saudades acentuam-se mais

24 de dezembro de 1973. Não recebi correio, também não comi bolo-rei, mas o jantar foi ligeiramente melhorado. Serviram batatas cozidas com bacalhau.

O dia de Natal correu melhor, almocei no AGRTM e de tarde fui com o meu amigo Matias para a cidade. Já que não tinha havido Pai Natal, fomos comemorar com um jantar numa marisqueira.


Início de 1974-férias

No início do ano se 1974, fiz mais uma viagem de gozo de féria à metrópole. Graças ao rendimento no bar de caserna que mantive em funcionamento durante alguns meses, pude fazer face as despesas da viagem. A viagem à metrópole ficava à volta de 4.500 pesos (4.500$00). Mais 40 dias de grande felicidade passados no seio familiar. Estes dias passaram voando, quando dei por mim estava nas vésperas da partida.

O regresso à Guiné preocupava-me. Eu vivia dias de fortes emoções, faltavam cerca de 4 meses para me libertar do monstro que se chamava “guerra colonial”, terminar a missão militar e regressar à vida civil era um sonho que estava à distância de 120 dias, isto sem dúvida que me alegrava e dava alento para encarar com otimismo esta etapa final. Mas a situação na Guiné era terrivelmente preocupante, havia rumores de estar iminente uma invasão a este território pelas tropas reveldes, com a ajuda de Russos e Cubanos.

Esta incerteza retirava-me a paz de espírito e a tranquilidade. É neste emaranhado de pensamentos que regresso para a Guiné. Quando cheguei esperavam-me algumas coisas boas. A primeira foi já existir uma nova equipa em fase de estágio para fazer a nossa substituição, o que na prática significava ficarmos com uma disponibilidade de tempo quase total. A outra coisa agradável foi deixar de fazer serviços no centro Emissor de Antula. Durante as férias o meu nome havia sido retirado da escala de serviço, quando cheguei fui ter com o meu amigo da secretaria e pedi-lhe para se esquecer de o voltar a colocar, ele fez-me a vontade.


Informações secretas

Storno - um dos nossos sistemas de comunicação

Num quartel de transmissões, como o nome indica, chegavam todas as notícias inerentes ao desenrolar da guerra, das estratégias das nossas tropas, das posições de avanço ou recuo do inimigo, das conquistas ou derrotas, etc. Embora as comunicações fossem de carater mais ou menos sigiloso e muitas delas secretas ou ultrassecretas, transpirava sempre cá para fora alguma coisa. E a verdade é que tudo parecia indicar que a guerra na Guiné estava perdida. Parecia que a dúvida era mesmo saber por quanto tempo mais se conseguiria resistir.

As reuniões de oficiais cada vez já menos secretas confirmavam a insegurança, a dúvida e o mau estar que se vivia.

13 de março de 1974, dá-se a fracassada revolta das Caldas. Embora não conseguida, foi o sinal inequívoco que o descontentamento com a grave situação que se vivia na Guiné se tinha generalizado a todo o País.

 

25 de abril 1974

Sabia que algo ia acontecer… o quê? Não tinha a resposta! Por sim pelo não, no Agrupamento de Transmissões dormiu-se pouco, foram muitos os movidos pela curiosidade, muitos quiseram passar parte da noite junto dos rádios sintonizando através da difusão em onda curta as rádios BBC e rádio Moscovo.

A notícia que em Portugal tinha havido um golpe de estado, chegou depois das 5 horas da manhã, a notícia espalhou-se rapidamente por toda a Unidade Militar.

Instalou-se a partir daqui um autêntico clima de euforia. O pensamento geral dos militares era que este acontecimento fizesse com que rapidamente todos regressassem às suas terras.

Na realidade este acontecimento (de alguma forma esperado por muitos) era sem dúvida, para quem conhecia o terrível agravamento da situação militar da Guiné, um suspiro de alívio e um enorme grito de liberdade.

Manifestação 1º maio em Bissau

Os tempos a seguir ao 25 de abril de 1974 foram de alegria e entusiasmo, mas também de muita agitação e desordem. Em Bissau aconteceram várias manifestações populares apelando à rápida independência. Havia que fazer tudo em tempo record. Os nossos dirigentes militares não tinham um plano nem estavam preparados para tanta agitação. É sem dúvida de elogiar as nossas forças militares pela forma como conseguiram lidar e encontrar soluções para todo este “inesperado” processo.

 

Terminava o meu tempo de comissão” 24 meses” em junho de 1974, mas só a 14 de agosto é que regressei a casa.



 

Metrópole 1971/1972


Nasci a 20 de junho de 1950 num grande País chamado Portugal. Grande Nação, se tivéssemos em conta as eis colónias, nomeadamente; Angola, Moçambique, Guiné, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Macau, Estado Português da Índia e Timor, embora essa grandeza territorial contrastasse com um País inculto, fechado ao mundo, com uma população pobre, infeliz, de pés descalços, reprimida e sem liberdade de expressão. Dominados por uma ditadura, cujo chefe do governo era Dr. António Oliveira Salazar, que havia assumido o destino do País em 1932, depois de um período de grande turbulência política, teve o mérito de conseguir alguma estabilidade num país que se encontrava à deriva no meio de uma Europa, também ela bastante perturbada politicamente.

 

 Ano de 1968. Aos dezoito anos, por imposição da lei do Estado, fui chamado ao recenseamento (dar o nome para o serviço militar). Esta medida era obrigatória para todos os jovens ao completar essa idade.

Ano de 1970. Com vinte anos fui à inspeção militar, este exame foi feito no Tribunal da Comarca, integrado nas instalações da Câmara Municipal de Paredes, onde o ministério da defesa fez deslocar uma equipa de (inspetores) médicos militares. Foi dado ordem aos mancebos para se despirem e em fila fomos passando pela equipa de inspetores que um-a-um, depois de um exame superficial, iam consideravam aptos para todo o serviço militar “todos” exceto aqueles que apresentassem deficiências físicas ou problemas de saúde claramente visíveis.

Ingressar no exército e com isso vir provavelmente a participar na guerra colonial em que o País estava envolvido desde 1961, que eu considerava injusta, era algo que me repugnava, mas estava conformado, não tinha nenhuma deficiência física por isso sabia que só um milagre me faria escapar dessa fatalidade. 

Com o intuito de me livrar dessa evidente possibilidade, consultei um médico de clínica geral e perguntei-lhe se haveria forma de inventar uma doença para os enganar. Ele mandou-me fazer uma radiografia ao coração e juntou-lhe um relatório para entregar no centro de inspeções. Este processo fez-me acreditar que o milagre pudesse mesmo acontecer. No ato da inspeção, entreguei o relatório e a radiografia e esperei pela decisão. O resultado foi; “apuramento condicionado” sujeito à apreciação do hospital militar.

Decorrido algum tempo fui notificado para comparecer no Hospital Militar (HP) para ser submetido a exames médicos.

Depois de várias deslocações ao (HP) e alguns exames feitos nesse hospital do Porto, foi considerado apto para todo o serviço militar. O milagre porque suspirava não aconteceu!

A partir daí sabia que aproximadamente três anos da minha juventude seriam passados na tropa. O menos mau que me podia acontecer era não ser mobilizado para a guerra colonial.

 Portugal estava envolvido na guerra colonial que teve início em 1961 e que o nosso governo teimosamente alimentava. Por esse motivo tinha necessidade de recrutar tudo e todos para fazer face a essa guerra que se travava em várias frentes; “Angola, Moçambique, Guiné e Timor”. Nessa altura já não tínhamos as colónias situadas na India.

No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, o domínio colonial das potências europeias sobre territórios africanos e asiáticos começou a ser fortemente posto em causa, tendo-se formado um vasto movimento ideológico e político tendente a obter a independência daqueles territórios, mas o nosso governo “Salazar” usou sempre a vertente militar para resolver as questões de soberania que se lhe colocassem no âmbito colónias.

Enquanto outros países, que também foram colonialistas, cederam à contestação e foram encetando negociações com os colonos de forma a permitir a sua autodeterminação, fazendo com que esses gradualmente assumissem a gestão dos seus territórios, o nosso Governo decidiu prepotentemente através da força das armas, manter uma guerra sem sentido, sacrificando todo o seu povo, principalmente os jovens, durante os longos catorze anos de luta.


Ingresso na vida militar – “tropa”

 

Um dia chegou a notícia – alguém disse; já

afixaram as listas das incorporações! Fui confirmar e lá estava o meu nome; GACA3 “Quartel Militar em Espinho” era o meu destino!

19 De outubro de 1971. Foi naquela já longínqua terça-feira de outono, que me apresentei para assentar praça no GACA 3 em Espinho.

Recordo a viagem de comboio desde a estação de Campanhã até Paramos-Espinho; a angústia, o desconforto, a insegurança e a separação do meu quotidiano. Lembro-me do arrepio, ao entrar na porta de armas do Quartel, pela incerteza que esse novo ciclo vida me trazia.

Habituado no habitat da pacata aldeia onde nasci, onde as noticias com repercussão eram sobre o que se passava à minha volta, num tempo em que ir a Lisboa, que ficava a pouco mais de trezentos quilómetros era quase uma aventura, como podia eu sentir-me bem com esta imposição de me integrarem num exército que me revoltava, porque o principal objetivo era preparar os mancebos para a guerra colonial. 

Foram muitos os jovens que optaram por saírem do País, evitando dessa forma participar na guerra. Eram considerados desertores e incorriam num crime de deserção militar, o que significava que não podiam voltar a Portugal. Nunca considerei essa possibilidade, tal significava comprometer o futuro e a privação da liberdade, isso não queria perder.


Quartel militar GACA 3 Espinho.1971

 

Neste Quartel passei quase nove semanas, fiz a formação inicial de praças, “recruta” que terminou com a cerimónia de Juramento de Bandeira realizada em meados de dezembro de 1971.

 

As degradantes condições de alojamento, o péssimo serviço do refeitório, a rígida disciplina militar e a contrariedade com que enfrentava toda esta situação, faziam com que me sentisse a viver uma espécie de pesadelo.

Esta formação era um desafio à capacidade física e psicológica.

Cheguei ao GACA3 numa 3ª-feira, 19 de outubro de 1971. Depois de nos terem formado em grupos e distribuído o uniforme que passaríamos a usar, recebemos algumas instruções sobre o Regulamento de Disciplina Militar (RDM), que a partir daí teríamos de cumprir escrupulosamente.

Toda a semana aprendi e executei exercícios militares, as refeições eram feitas  num refeitório onde ficávamos tão apertados que só era possível ter uma mão em cima da mesa para pegar no garfo ou na colher, na caserna onde dormia havia umas esponjas nojentas que serviam de colchão e para que nos tornássemos rapidamente disciplinados, ao segundo dia de madrugada entrou um oficial “chico” pela caserna dentro gritando em tom agressivo; Quero toda a gente formados na parada com botas bem engraxadas e barba bem cortada, tem dez minutos para o fazerem. Gerou-se uma grande correria e confusão, mas dez minutos decorridos lá estávamos, como tinha sido exigido, formados na parada. O oficial, cuja patente não me recordo, acompanhado de outros graduados passou em revista as tropas formadas, depois de ter implicado com dois ou três praças, porque a barba não estava bem cortada ou porque as botas não estavam devidamente engraxadas, fez algumas repreensões em tom ríspido e mandou-nos de novo para a caserna.

Passados os primeiros quatro dias de tropa, que pareceram um mês, chegava finalmente a ansiada sexta-feira que significava vir a casa de fim-de-semana.

 

O desejado fim de semana, quase se transforma num pesadelo.

O tão ambicionado dia de sexta-feira finalmente chegou. Os olhos brilhavam de alegria, estava a poucas horas de deixar aquele indesejado local.

Mas estava longe de imaginar o pesadelo que estava prestes a acontecer. Depois de almoço, o Alferes que comandava o meu pelotão, mandou-nos formar para dar uma notícia. Num sorriso forçado, em tão sádico disse: vocês estão cheios de sorte! Vão ter estes dois dias para conhecer melhor o Quartel! - Ninguém vai a casa de fim de semana - sem mais comentários deixou-nos estupefactos a olhar uns para os outros.

Nem queria acreditar no que acabava de ouvir! Não podia ser! Só me faltava mais esta! Pensei… eu que estava ali contrariado, revoltado, distante de tudo o que gostava, a preparar-me para uma guerra que repugnava, ia ter de passar o meu primeiro fim-de- semana de tropa naquele quartel que não me despertava qualquer interesse?

Não…não podia ser – repeti para mim várias vezes esta frase. Tinha de haver uma saída! Imaginei várias possibilidades – sair discretamente na Porta de Armas? Era arriscado… depois tinha de voltar a entrar, e se me apanhavam? O melhor seria pela via legal! Fui pensando e ao mesmo tempo caminhando, cruzei-me com um graduado, não me lembro que posto tinha, também ainda mal conhecia as patentes militares, fiz-lhe continência e perguntei-lhe se me aconselhava o que devia fazer para ir a casa de fim-de-semana? Ele Respondeu-me; vais ao gabinete do comandante da Companhia, dizes que precisas de ir a casa e pedes-lhe para te assinar uma dispensa de fim-de-semana. Em passo apressado caminhei à procura do gabinete do comandante, depois de perguntar algumas vezes onde ficava esse local, lá me encontrei finalmente à porta do homem a quem todos obedeciam. A vontade de ir a casa deu-me coragem para entrar. Bati a pala e da forma mais convincente que consegui, expliquei os meus motivos para ir de fim-de-semana. Num tom austero este pediu-me a dispensa par assinar, mas… meu comandante, não sabia que tinha de trazer o papel? Vai à secretaria buscá-lo e volta cá. Corri à procura da secretaria, que afinal estava ali mesmo de frente, pedi o impresso e voltei a correr ao gabinete do comandante - antes que este se arrependesse! Voltei a repetir a cerimónia de entrada, ele fez um sarrabisco no papel e lá vim em passo acelerado até à estação do comboio para embarcar a caminho de casa. Fui o único a ter essa sorte, todos os meus companheiros de pelotão passaram o fim de semana no Quartel.

22, de outubro de 1971. Segunda-feira logo de manhã, segui rumo a Paramos para dar continuidade às atividades militares. Desta vez não utilizei o comboio, mas sim a minha motorizada. Com a acessibilidade a este meio de transporte, comecei a vir a casa também a meio da semana.

Os três meses de recruta passados no GACA 3 de Espinho tinham o objetivo de preparar os mancebos para a vida militar. Na primeira fase adquiria-se conhecimento sobre as regras e disciplina militar, depois preparação física e por último manejo de armas.

Durante este período de recruta, os instrutores iam analisando as capacidades de cada um, com o intuito de posteriormente fazer o encaminhamento para a especialidade mais adequada.

 A grande maioria dos recrutas, seguiam para as especialidades de; atiradores, sapadores, comandos ou condutores. Todas estas, em situação de guerra eram de grande risco e que por isso eu queria a todo o custo evitar. Para conseguir esse objetivo era preciso não ser bom naquilo que se relacionava com essas especialidades, e ao mesmo tempo, mostrar valências e aptidões para o que pretendia alcançar, que era chegar à Escola Militar de Eletromecânica e fazer o curso de eletrónica.

Juramento bandeira, dezembro de 1971

Para conseguir esse objetivo, foi fazendo com que as minhas notas em exercício físico, manejo de armas e tiro, se situassem no nível mais baixo possível. Sempre que era chamado a dar informações ou preencher questionários sobre as aptidões profissionais, assinalava sempre conhecimento e experiência em eletrónica, como especialidade pretendida escolhia a de rádiomontador, passo a passo fui preparando o caminho para atingir a meta pretendia.

 

Depois da cerimónia de juramento de bandeira, que se realizou em meados de dezembro de 1971, deram-me quinze dias de férias, findos os quais tinha de me apresentar na EMEL em Paço de Arcos.

Finalmente… duas boas notícias! Quinze dias de férias e a concretização do acesso à especialidade pretendida.

03 de janeiro de 1972, apresentei-me na
EMEL “Escola Militar de Eletromecânica” situada em Paço de Arcos, fiquei com uma ótima impressão em relação a todo o cenário com que me deparei. As instalações eram muito boas e o ambiente parecia muito agradável, tratava-se na realidade de uma escola no verdadeiro sentido da palavra.

Escola Militar de Electromecânica

Sempre gostei de estudar, via surgir a oportunidade que não tinha tido na infância. Tinha pela frente aproximadamente seis meses de aulas nas disciplinas de matemática, física/química, eletricidade e eletrónica.
A (EMEL) Escola Militar de Eletromecânica, situava-se junto ao mar no centro da Vila de Paço de Arcos. A disciplina militar quase não se notava, o refeitório estava equipado com uma ótima cozinha, mesa de cinco lugares, a comida era boa, os cozinheiros eram civis, grande liberdade de entrada e saída, um contraste total com a tropa que tinha tido até aqui.
No dia 5 de Janeiro, véspera de Reis, brindaram-nos com um excelente jantar onde em cada mesa de cinco, houve direito a um bolo-rei e uma garrafa de vinho do Porto. Guardo muitas e boas recordações desta Escola Militar.
Seriamos aproximadamente dez turmas, cerca de 250 alunos, a grande maioria com formação académica acima do ensino primário.
Eu fazia parte de um pequeno grupo que apenas tinham a 4ª classe, partia, em relação à maioria, com alguma desvantagem, esforcei-me bastante para alcançar o objetivo.
Ao fim de semana vinha a casa. À sexta-feira era dia de viajar no autocarro que a meio da tarde enchia com os militares do norte do País com destino ao Porto, chegava aí por volta das 22 horas, a tempo de apanhar a camioneta da carreira com destino a Baltar.
A viagem era feita pela estrada N1, não havia autoestrada, o tempo de viagem era de aproximadamente seis horas.
Ao domingo regressava a Paço de Arcos, saía do Porto depois da meia-noite, fazíamos uma paragem na zona de Leiria para comer uma bifana (coisa que nessa época não era conhecido no norte do País) e beber uma cerveja, chegava à EMEL ao amanhecer.


O serviço que tinha a fazer era estudar, tinha aulas de manhã e de tarde, nas horas livres saía do quartel e ia sentar-me à mesa do café a rever a matéria dada nas aulas e  reler os livros.  Para entender tinha de aproveitar o tempo porque o que tinha aprendido até à quarta classe do ensino primário estava muito aquém do que agora me era exigido.
06 de maio de 1972. Terminei o curso com média de 12.72 valores, podia ter uma média mais alta, o resultado foi positivo, em caso de mobilização dava direito à promoção a 1º cabo, adquiri conhecimento teórico em áreas que me poderiam vir a ser muito úteis no futuro.
Ia a partir desta data deixar a Escola Militar de Eletromecânica que foi criada em 11 de outubro de 1952.  A missão principal da EMEl consistia em ministrar conhecimentos e práticas de utilização e manutenção sobre equipamentos elétricos, radioelétricos e eletrónicos, necessários à formação e qualificação de ajudantes de mecânicos (praças do Exército) e de eletromecânicos  (sargentos do Exército e cabos especialistas da Aeronáutica) nas áreas elétrica (frio e calor), radioelétrica (comunicações) e eletrónica (radar). Aqui se formaram muitos e bons Especialistas.
Escola Militar de Eletromecânica resultou num elevado e prestigiado número técnicos de eletrónica no Exército e na vida civil.
Este ciclo de vida militar terminava aqui. No dia seguinte, tinha de me apresentar no Regimento de transmissões do Porto




Regimento de Transmissões do Porto.
Mais uma vez a sorte me sorria, mudar-me para um quartel no Porto, significava estar perto de casa, tratando-se de uma unidade de transmissões, também me parecia interessante, havia uma certa relação com a especialidade que tinha feito, tudo conjugado era motivo para estar satisfeito.

Imagem atual, do antigo quartel de transmissões do Porto.

Na verdade estava longe de imaginar o que ia encontrar neste novo ciclo militar. Bastou-me passar os primeiros dias, para chegar à conclusão, que afinal voltava o pesado ambiente de disciplina militar. O comandante de companhia era o Capitão já de idade avançada (chico) e com um enorme mau feitio. Levava estas coisas da tropa com tanto rigor que até na sua vida familiar impunha as rígidas normas militares. Falava-se que tinha mau relacionamento com a família. Ouviam-se comentários de que à boa maneira da tropa, já teria castigado a mulher e a filha com carecadas!
O Sargento da companhia era uma pessoa esguia, austera e aprumada, enganava com um falso e cínico sorriso.
A desfavorável análise que fiz destes estes primeiros dias passados no novo quartel, era sempre compensada com a proximidade do meu habitat.
Os meus primeiros trabalhos neste Regimento foi polir argolas de ferro forjado para serem cromadas, estas iriam servir para ser aplicadas na casa de um oficial. Decorridas duas semanas a polir ferro, fui colocar umas antenas a casa de um graduado.
Para além destes serviços que tinham como beneficiários alguns graduados do quartel, também fazia guarda uma vez por semana.
Todo este ambiente de “chicos” não era propiamente do meu agrado. Depois de me sentir integrado nesta unidade militar, conclui que o melhor  seria ser discreto e passar o mais despercebido possível. Como diz o povo, “quem não é visto não é lembrado”.
 Passou-se um mês, já estava totalmente enquadrado com o ambiente. Comecei a pensar que talvez já não fosse mobilizado para a guerra do ultramar. Por norma os militares que tiveram especialidades que como a minha, necessitaram de mais tempo para ser concluídas, eram mobilizados logo após a formação.
 Convencido que iria passar o resto da tropa por ali, e como vinha a casa todos os dias, iniciei um processo de desarranchamento. Utilizei a morada de uma tia da minha esposa que vivia em Paranhos, arranjei por intermedio desta a abonação de três casas comerciais e um atestado da Junta a comprovar a residência e lá consegui ser  desarranchado. Desta forma conseguia sair com mais facilidade do quartel e receber mais alguns escudos no pré.
Tudo isto foi sol de pouca dura. Ao contrário do que tinha imaginado, a minha vida de tropa no Regimento de Transmissões do Porto, acabaria a meio do mês de junho de 1972.



                                                   Mobilização para a Guiné.

A ordem de mobilização para guerra no ultramar chegava, para que a notícia tivesse ainda um sabor mais amargo, o destino era a Guiné. Mais uma vez o acelerar do batimento cardíaco se fez sentir. Dos quatro ou cinco militares da minha freguesia a ser chamado para aquele território Africano. Dois não voltaram..."morreram". 


Quartel-RAL5 Penafiel        

Dá para imaginar a minha força anímica! Fazia parte de uma geração a quem foi roubada a inocência e a juventude em nome da guerra!
Fui integrado num Batalhão que se chamava “BART6520/72”, formou-se no RAL5 de Penafiel e que tinha como destino a zona de Tite Guiné.



Imagem do quartel de Tite, extraída do Ex-CombBart 6520/72.

 

Tite era uma zona de mato com um rudimentar aquartelamento militar e uma pequena povoação de algumas dezenas de tabancas, onde a vida dos residentes tinha características muito primitivas. Viviam seminus, sem água, sem luz, rodeados de mata, com caminhos em terra e  casas “tabancas” feitas de barro, cobertas com capim.
Eu pertencia à companhia CCS “comando e serviços”, que tinha Tite como destino, as restantes seriam colocadas na periferia.



As casas de Tite (tabancas)




Recordações da Guiné 1972/1974



Nesta imagem estão presentes alguns dos meus amigos mais próximos, do meu tempo de comissão militar na Guiné.






Junto da famosa baga-baga. Monte de terra barrenta, que formava uma sólida estrutura, eficiente muitas vezes para servir de abrigo e proteção às balas do inimigo.  Edificado pelas formigas, que atingia enormes proporções, na Guiné.








Com o meu amigo Valdemar, junto ao logotipo do Agrupamento de Transmissões, situado à entrada do complexo.







Junto de uma bolanha. Lagos de águas paradas que se formam durante o meio ano de época de chuvas.
Estes lagos "bolanhas" num terreno plano como o da Guiné, gera condições especiais e  propicias para o cultivo de arroz.






Visita de altas patentes militares, à oficina de rádio da CRMMTM, onde eu trabalhava, Bissau, 19773.








Tabanca, casas usadas no interior da Província pelos Guineenses. Eram feitas com paredes de barro e cobertura em capim.





Junto à Praça do Império, em frente ao palácio do governador, na época do General António Sepínola.





O local onde passava a noite, dormia a sesta e enquanto acordado ia lendo os livros que conseguia arranjar.




Fumando uma cachimbada "só para a fotografia" e acariciando um pobre macaquito que por ali andou.









Sentado junto da fortaleza da Amura, situada à entrada do complexo militar de Santa Luzia.










Viviam-se tempos de grande agitação em Bissau no pós 25 de abril de 1974.








O 1º de maio vivido em Bissau após a revolução do 25 de abril de 1974.




Imagem do Agrupamento de Transmissões, Bissau 1972.






Foto tirada em 1972 junto ao Centro Emissor de Antula. Este centro emissor, para a época, estava muito bem equipado.





Com um grupo de amigos numa das muitas esplanadas da cidade de Bissau.





O macaco que andava por aquelas bandas







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