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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Após o 25 de Abril, tempos de revolta em Bissau.


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                                          Viagem para a Guiné 23/06/1972.


No início da manhã do dia 23 de Junho de 1972, o Boeing 707 da força Aérea Portuguesa, que transportava a companhia CCS do BART 6520/72, começava a baixar suavemente sobre o aeroporto de Bissalanca, Bissau. Era a minha primeira viagem de avião. Sentado no meu lugar junto da janela, ia observando a imensidão da planície de terra avermelhada, repleta de lagos, rios e canais, ao mesmo tempo que tentava perceber todo processo de aterragem. Decorridos alguns minutos, o avião encontrava-se imobilizado na pista. Pouco depois as portas abriram-se e recebemos ordem para sair. Ao descer as escadas do avião, senti no rosto uma golfada de ar quente com denso e perfumado cheiro a terra húmida que sufocava a respiração, senti o peito apertado e o suor que molhava a testa começava a descer pela face. Tive o pressentimento que não iria aguentar um clima tão diferente daquele a que estava habituado. Não comentei o que senti com nenhum dos meus companheiros, a familiaridade com eles era praticamente inexistente e por isso senti que não seria oportuno qualquer comentário. Aguardei sereno o desenrolar dos acontecimentos.
O sol emergia no horizonte, o dia começava a despontar, à minha volta além de algumas aeronaves, havia uma imensa planície de terra cor de fogo. Enquanto esperava sem saber o quê, ia reparando no enorme contraste entre os trajes europeus e os Africanos.
Decorreram alguns minutos e chegavam os camiões Berliet do exército para nos transportar até ao Quartel dos Adidos. Este situava-se a uma escassa meia dúzia de quilómetros do Aeroporto, mais concretamente em Brá - aí se ia formar a coluna militar que transportaria os militares acabados de chegar até Bolama para fazer o IAO “Instrução de Aperfeiçoamento Operacional”.
Eu não tinha tido qualquer convivência com os meus companheiros de viagem. Eles tinham estado no RAL 5 em Penafiel a formar batalhão durante aproximadamente duas semanas e eu fui encaminhado para a Escola Militar de Electromecânica (EMEL) para aí fazer um estágio. No dia que me foi indicado, lá me apresentei na EMEL, mas apenas lá fiquei uma noite, no dia seguinte mandaram-me ir para casa e aguardar até à véspera do dia de embarque para a Guiné. Por esse motivo não conhecia nenhum dos meus camaradas. E se até aí não tinha tido nem tempo nem oportunidade de conviver com eles, iria acabar por me afastar completamente de todos estes companheiros, que numa situação normal seriam a minha “família” durante os próximos dois anos.
Após algumas horas nos Adidos, chegava um jippe à procura dos rádiomontadores, aproximei-me e rapidamente me apercebi que eras quatro com essa especialidade, um furriel, dois cabos e um soldado.
A viagem de pouco mais de trinta minutos, tinha como destino o Agrupamento de Transmissões em Bissau.

Nessa unidade militar (AgrTm) permaneci durante os longos vinte e seis meses que passei na Guiné.



                                                    

                                           Levantamento de rancho no QG, Agosto 1973.



Agosto de 1973, mais um dia, mais um almoço no QG. Não tínhamos nada combinado, não era preciso. O pensamento dos cerca de 100 militares do AgrTm era o mesmo, não podíamos tolerar por mais tempo as precárias condições daquele refeitório. Não íamos aceitar por mais tempo ir ali comer. Afinal éramos ou não uma tropa qualificada?
Naquele local fomos sempre vulgarizados, depois de formar, entravam primeiro os militares do QG, que eram bastantes mais do que nós e só depois é que chegava a nossa vez. Estávamos cansados disto, era hora de agir.
Entraram os do QG todos, por fim chegou a nossa vez, à medida que íamos entrando sentavam 10 em cada mesa, eu ocupei a segunda rodada, a primeira mesa, de forma impulsiva e unânime, levantou-se e começou a bater com os talheres nos pratos, a minha já não chegou a sentar-se e simultaneamente todas que foram entrando fizeram o mesmo. Mais de uma centena de soldados do QG já estavam lá dentro, muitos deles já quase no fim da refeição, lentamente foram-se também levantando. Decorridos 15 minutos, tinha-se gerado a maior confusão a que assisti em todo o meu tempo de tropa. A disciplina militar tinha dado lugar a uma grande anarquia. Em termos Militares tratava-se de uma situação de grande gravidade. A disciplina militar é rigorosa e inflexível. Havia muitos corações a bater aceleradamente. Mas ninguém cedeu, nem os do QG.
O Oficial de dia chegou à beira da mesa onde começou o motim, dirigiu-se a um dos soldados perguntou! Porque é que não comes? Não como porque esta comida está intragável, respondeu o soldado, o oficial de dia pediu ao cozinheiro que lhe trouxesse um prato, colocou nesse um pouco de comida e comeu, voltou a virar-se para o mesmo soldado e ordenou-lhe que comesse porque a comida estava boa. Ele meteu um colher de comida na boca e cuspiu-a, desculpe meu Capitão mas não consigo comer isto! Estava concluída a prova de fogo. Senti um certo alívio. Se aquele soldado (Alentejano gordinho de baixa estatura) tivesse fraquejado, estávamos metidos numa grande alhada.
O Oficial de serviço teve de chamar o Comandante da unidade. Fica-mos todos aguardar: Passaram cerca de 45 minutos, o Comandante apareceu acompanhado de outra alta patente Militar (coisa que por ali não faltava), fez-se um grande silêncio. Este subiu para uma cadeira, de maneira educada e em tom moderado, pediu desculpa pelo acontecimento, prometeu que no futuro a qualidade da comida ia melhorar. Para que ninguém ficasse sem refeição ia mandar distribuir kits individuais de rações de combate.
Foi a primeira vez que comi esse tipo de refeição. Passei por um grande susto, mas valeu a pena, poucos dias se passaram e o nosso novo refeitório entrava funcionamento. Aqui tudo passou a ser diferente, novo ambiente, instalações novas, equipamento moderno, funcionamento tipo self-service e refeições com qualidade.





                                                                                 A primeira noite na Guiné.



Cheguei ao meio da tarde, ao local que iria ser a minha nova casa durante os próximos dois anos. Só no dia seguinte é que me seria atribuída uma cama na caserna deste Agrupamento.
Para passar a primeira noite foi-nos entregue tendas de campanha e colchões pneumáticos. Não me pareceu que isso fosse um problema. Frio não havia porque o clima era quente, pensei… o importante era ter onde dormir e descansar. Sentia-me exausto depois das longas horas de viagem desde Penafiel até à Guiné.
Com o desaparecer do sol e a chegada da noite, era hora de ir para a cama, tirei a incomoda farda, descalcei as botas e no silêncio da madrugada adormeci num sono profundo e tranquilo. Acordei com o nascer do dia, tinha o corpo húmido e peganhoso, próprio daquele clima tropical. Levantei-me a pensar descobrir um local onde tomar um banho, e… nesse momento, deparo-me com uma insólita situação. O meu esbranquiçado corpo, estava repleto de grandes inchaços vermelhos. Fiquei perplexo, sem compreender o sucedido, mas… não era o único, os meus camaradas também se encontravam com sintomas idênticos. Os mosquitos, que existem em abundância neste território, tinham passado a noite a saborear o sangue novo que acabara de chegar.
O clima da Guiné para além de quente é também muito húmido. Este País tem apenas duas estações no ano. A época das chuvas e a época da seca. O terreno é muito plano e por isso durante o período das chuvas fica uma grande parte do território coberto de água, formando grandes lagos de águas paradas (bolanhas), condições propícias à criação de insectos (mosquitos) e das mais variadas espécies de parasitas. Aqui eram frequentes doenças como cólera, febre-amarela, varíola, paludismo, micoses e muitas outras, provocadas por mosquitos e pelas mais variadas bactérias, daí a necessidade da vacinação, a que os militares eram obrigatoriamente submetidos. Na recruta tomava-se célebre vacina (dose de cavalo) que nos imunizava de grande parte dessas doenças.

Para dormir nas tendas teria que se usar um mosquiteiro, (rede fina) para impedir a entrada dos mosquitos para dentro desta. O desconhecimento desta regra facilitou a vida a esses irritantes insectos.

Agostinho Carneiros da Silva






Vinda de férias, ao meu lado o Rocha e um familiar.

Grupo de amigos radiomontadores.

Na esplanada de um café em Bissau.

A lavar o copo, ao lado o meu amigo Matias.

Foto com o Flávio.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Junto ao centro emissor de Antula, Bissau 1972-1974.

Um pouco de meditação, não faz mal a ninguém. Bissau 1972-1974.

A leitura ocupava os tempos livres. Bissau 1972-1974.

Junto à oficina de rádio. Bissau 1972-1974.

Patuscada, com os camaradas radiomontadores. Bissau 1972-1974

Em frente ao palácio do Governador. Bissau 1972-1974.

Em frente ao Quartel da PM. Bissau.

Na esplanada do café Pelicano, Bissau.

A baga-baga, Bissau.

Na oficina de rádio AGR. Transmissões Bissau.


Imagens do passado.




A famosa baga-baga da Guiné, 1972-1974

Revolta popular em Bissau após o 25 de Abril.

Manifestação pela independencia em Bissau, após o 25 de Abril 1974.

Visita ás oficinas de rádio no AGRTM Bissau,do Governador da Guiné, Brigadeiro Bettencourt Rodrigues, em fins de 1973.

Agostinho Carneiro Silva, junto ao campo de futebol das transmissões em Bissau.

A famosa tabanca da Guiné.

Agostinho Carneiro Silva. Radiomontador Guiné Bissau, 1972 a 1974.

Grupo de amigos, AGRTM. Bissau 1972 - 1974